28 de junho de 2019, o Dia Internacional do Orgulho LGBTI+. Dia em que o mundo celebrou 50 anos de Stonewall Inn, considerado o marco da luta pelos direitos civis de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, mulheres transexuais, homens trans e intersexuais.
Assistimos manifestações em vários países do mundo, como Inglaterra, França, Espanha, Itália, Israel, Canadá, Estados Unidos – com a Parada de Nova Iorque, transbordando das cores do arco íris.
Mas no Brasil, o arco íris que se forma quando a luz incide sobre um objeto de cristal ficou em preto e branco, pois um elefante adentrou na loja rainbow, indelicadamente, deselegantemente e, sem dúvida, com pouca ou quase nenhuma diplomacia.
Vocês não devem estar entendendo nada… Traduzindo: o governo federal publicou o Decreto nº 9.883, de 27 de junho de 2019, que dispôs sobre o Conselho Nacional de Combate à Discriminação, conselho este que era o Conselho Nacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Mulheres Transexuais, Homens Trans e Intersexuais.
E o novo decreto extirpou a população LGBT do Conselho. O novo decreto revogou o Decreto nº 7.388, de 2010, que instituía o Conselho Nacional de Combate à Discriminação – CNCD enquanto órgão colegiado de natureza consultiva e deliberativa e integrante da estrutura básica da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, com a finalidade de “formular e propor diretrizes de ação governamental, em âmbito nacional, voltadas para o combate à discriminação e para a promoção e defesa dos direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – LGBT”.
Sem nenhuma conversa com a sociedade civil, com os atuais conselheiros e conselheiras, com outros organismos como o FONGES – LGBT. Apenas publicou, deselegantemente, em pleno Dia do Orgulho LGBTI+ a revogação do decreto que instituía o órgão de participação da sociedade civil junto ao governo federal.
Órgão esse que era responsável, inclusive, por “participar da organização das conferências nacionais para construção de políticas públicas para a população LGBT”, deixando junto à sociedade civil uma grande interrogação a respeito do caminhar do processo das conferências LGBTI+.
O novo conselho? Bem, o Decreto nº 9.883 não faz nenhuma menção ao movimento LGBTI+, constituindo-se apenas como “órgão colegiado de consulta, assessoramento, estudo, articulação e colaboração nas questões relativas à proteção dos direitos de indivíduos e grupos sociais afetados por discriminação e intolerância”.
Menciona, apenas, “a defesa dos direitos:
- a) das minorias étnicas e sociais; e
- b) das vítimas de violência, de preconceito, de discriminação e de intolerância”.
O Conselho teve, ainda, sua composição alterada por completo, passando das 30 cadeiras de representação para apenas 07, ferindo a paridade entre Poder Público e Sociedade Civil, uma vez que sua atual composição dá-se:
“I – pelo Secretário Nacional de Proteção Global do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que o presidirá;
II – por representantes dos seguintes órgãos:
- a) Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que o coordenará;
- b) Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos; e
- c) Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos; e
III – por três representantes da sociedade civil.”
Ou seja, a sociedade civil estará sempre em minoria quando da votação das matérias atinentes ao CNCD. Além disto, o atual CNCD é apenas um órgão consultivo interno do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, pois contempla apenas suas secretarias, deixando de dialogar com importantes pastas como Saúde, Justiça, Educação, Desenvolvimento Social, Trabalho e Emprego, Cultura, Previdência Social, Turismo, Relações Exteriores e Planejamento, Orçamento e Gestão.
Um conselho de faz de conta!!
Esse decreto, além de inconstitucional, também fere os Princípios de Yogyakarta, dos quais o Brasil é signatário, principalmente no “Direito de Participar da Vida Pública”.
Pelos princípios: “todo cidadão ou cidadã tem o direito de participar da formulação de políticas que afetem seu bem-estar e ter acesso igual a todos os níveis do serviço público e emprego em funções públicas, incluindo a polícia e as forças militares, sem discriminação por motivo de orientação sexual ou identidade de gênero”.
Assim, pela carta, os Estados deverão:
“a) Rever, emendar e aprovar leis para assegurar o gozo pleno do direito de participar na vida pública e nos assuntos políticos, incluindo todos os níveis do serviço governamental e emprego em funções públicas, inclusive o serviço na polícia e nas forças militares, sem discriminação e com pleno respeito pela orientação sexual e identidade de gênero;
- b) Tomar todas as medidas apropriadas para eliminar estereótipos e preconceitos relacionados à orientação sexual e identidade de gênero que impeçam ou restrinjam a participação na vida pública;
- c) Assegurar o direito de cada pessoa de participar na formulação de políticas que afetem o seu bem-estar, sem discriminação com base na, e com pleno respeito por, sua orientação sexual e identidade de gênero.”
Diante do exposto, não há como ficar calado. Temos que nos movimentar e cobrar a continuidade das políticas públicas, cobrar a manutenção dos espaços, espaços que foram conquistados com muito ativismo.
No mínimo, constrangedor. Só os ineptos não perceberam a tentativa do governo federal, por meio desse decreto, em invisibilizar e tirar da pauta as políticas públicas para a população LGBTI+. A simples retirada da sigla ou da menção à população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, mulheres transexuais, homens trans e intersexuais não é apenas o apagamento da nossa população do organograma do governo federal, mas também um claro indício do que podemos esperar no futuro sobre a pauta da garantia dos nossos direitos! Nada!
Por Cássio Rodrigo
Jornalista e Ativista LGBTI+